Uma pesquisa brasileira revela que a abelha da espécie Bombus bellicosus, popularmente conhecida como mamangava(foto), pode estar extinta localmente no Brasil. O inseto, originalmente encontrado em áreas de vegetação campestre no Sul do país, desapareceu do Paraná, onde era muito abundante, e ainda se mantém no Uruguai e Argentina. Segundo os cientistas, a principal causa para seu extermínio em território nacional é o aquecimento global, seguido de outros fatores como a poluição e as mudanças em seu hábitat.
Estudos de campo feitos entre 2002 e 2005 por pesquisadores do Laboratório de Biologia Comparada de Hymenoptera do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), evidenciaram o desaparecimento da mamangava em locais onde há 20 anos ela era comum.
Os cientistas monitoraram Ponta Grossa, no Paraná, além dos municípios de Esteio e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul e algumas regiões de Curitiba e Santa Catarina. Nenhum espécime foi encontrado vivo no Paraná e constatou-se que a espécie está em processo de extinção nas outras regiões. Os resultados do trabalho foram publicados em agosto na revista Insect Conservation.
“A mudança climática é o fator mais decisivo na extinção de espécies.”O levantamento da espécie na região já era feito há 40 anos, o que ajudou na pesquisa. Durante a análise desses dados, os cientistas perceberam que o último registro da espécie no Brasil, de 1980, coincidia justamente com o período em se iniciou a intensificação do aquecimento global.
“A mudança climática é o fator mais decisivo na extinção desta espécie”, explica a bióloga Aline Martins, envolvida na pesquisa. “É provável que as recentes mudanças de temperatura tenham afetado essas populações.”
Região de borda
A bióloga explica que no Paraná a abelha habitava uma região no limite norte de sua distribuição no Brasil, e isso parece ter colaborado para a extinção local do animal. “Populações no limite da distribuição tendem a ser menores e, por isso, seus indivíduos têm mais chances de cruzar entre si, o que reduz a possibilidade de surgirem indivíduos geneticamente diferentes e, portanto, mais resistentes”, diz Martins.
Outro indício de que as mudanças climáticas seriam as principais responsáveis pelo sumiço da mamangava é o crescimento populacional de outras duas espécies de abelha da região que toleram temperaturas mais elevadas. Mais adaptadas ao meio, essas espécies ocuparam o lugar da mamangava.
A poluição e o desmatamento das regiões antes habitadas pela mamangava também foram decisivos para a sua extinção. Os campos naturais de Curitiba têm sido extensamente desmatados para a construção civil e agropecuária. De 1960 a 2007, a população da região cresceu de 361.309 para 1.828.092, segundo dados do Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE). Além disso, de acordo com Martins, não há áreas destinadas à preservação ambiental dos campos da região.
O desmatamento restringe as fontes de alimentos e outros recursos naturais necessários às abelhas. No entanto, de acordo com a pesquisadora, as abelhas do gênero Bombus, como a B. bellicosus, não requerem nenhum material especial para construir seus ninhos, que ficam em cavidades debaixo do solo, nem possuem alimento específico. Essas abelhas são generalistas e usam mais de 60 espécies de planta de 18 famílias diferentes como fonte de néctar e pólen. Assim, as mudanças no hábitat da mamangava não foram tão decisivas para o seu extermínio quanto o aquecimento global.
O sumiço das abelhasA extinção de abelhas é um fenômeno observado em todo o planeta nos últimos anos. Somente entre 1950 e 2000, 13 espécies do gênero Bombus desapareceram em pelo menos um país europeu e quatro já são consideradas extintas da Europa. A abelha é considerada um importante indicador de qualidade ambiental por ser um inseto muito sensível às mudanças do meio.
A abelha é o mais importante polinizador da naturezaO desaparecimento de populações desse animal pode gerar fortes impactos no ecossistema, pois a abelha é o mais importante polinizador da natureza. Algumas plantas são polinizadas apenas por determinadas espécies de abelha e, por isso, sua extinção pode levar à extinção da planta e à consequente escassez de alimentos para outros animais, como aves, mamíferos e até humanos, que cultivam alguns tipos de grãos e verduras dependentes da polinização.
De acordo com Martins, o comportamento social da mamangava aumenta suas chances de extinção completa. Ao contrário da maioria das espécies de abelhas, em que a fêmea constrói e cuida sozinha do seu próprio ninho, as mamangavas vivem em pequenas populações organizadas em sociedade. “As populações de abelhas sociais são menos resistentes que as solitárias, porque a variabilidade genética entre os seus indivíduos é comparativamente menor”, explica a pesquisadora. “Como o cruzamento entre indivíduos só se dá dentro da colônia, a chance de acorrem problemas genéticos é maior.”
A pesquisa com as mamangavas faz parte de um projeto maior que desde 1960 monitora a fauna de abelhas em Curitiba. O próximo passo da investigação tentará prever a possível distribuição geográfica da B. bellicosus antes de extinta por completo. Os pesquisadores utilizarão programas de computador capazes de determinar os futuros locais de ocorrência da abelha a partir da análise de dados climáticos e geológicos das regiões que ela originalmente habitava. “Com o modelo de distribuição, poderemos comprovar que a mudança climática foi a responsável pela extinção local da mamangava”, acredita a pesquisadora.
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