sábado, 26 de dezembro de 2009

Pecuária causa 51% do gás-estufa, diz estudo


Consultores do Banco Mundial relataram que substituir derivados animais na alimentação, como carnes e laticínios, por análogos vegetais, daria resultados mais rápidos contra o aquecimento global do que ações que trocam combustíveis fósseis por energia renovável.

Segundo estudo divulgado pela organização de pesquisa ambiental World Watch Institute, de Washington, a pecuária seria responsável por pelo menos 51% das emissões dos gases-estufa no mundo, ou 32,5 bilhões de toneladas.

Se abraçada pela comunidade internacional, a tese representa uma virada de mesa no debate sobre a mudança climática, geralmente focado na questão energética.

Os autores do estudo, Robert Goodland e Jeff Anhang, respectivamente consultor-chefe aposentado e especialista, ambos da área ambiental do Banco Mundial, avaliam que o percentual de 18% normalmente divulgado para medir o impacto da pecuária no aquecimento global está "extremamente subestimado".

Mesmo a pesquisa anterior que estimava os 18%, da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), já dizia que a pecuária possui mais impacto no clima do que o setor dos transportes.

A ecóloga Magda Lima, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), responsável por relatórios sobre a agropecuária no Brasil, acredita que os valores são superestimados. Ela também reclama que "os estudos precisam levar mais em conta as emissões históricas", diz ela.

Já o biólogo Sérgio Greif acha razoável o estudo, e até mesmo afirma já ter visto estudos que apontavam percentuais maiores no mundo.

O Brasil apresentou no sábado passado (12), em Copenhague, estudo preliminar que responsabilizava, só a pecuária bovina, por ao menos 50% dos gases do efeito estufa no país.

Uma das fontes de gás-estufa da pecuária desconsiderada, segundo os autores, é a emissão de gás carbônico devido à própria respiração dos rebanhos. A FAO afirma que a respiração dos rebanhos "faz parte de um sistema cíclico biológico". E, pela reconversão do CO2 em compostos orgânicos, não está listada como uma fonte reconhecida de gás-estufa sob o Protocolo de Kyoto.


Mas os autores ressaltam que o gado é "invenção e conveniência humana". Com isso, "hoje, mais dezenas de bilhões de animais criados pelo ser humano estão exalando CO2 que nos tempos pré-industriais", enquanto a capacidade fotossintética da Terra declinou gravemente com a falta de cobertura vegetal, defendem.

Os autores indicam ainda que as terras também seriam melhor usadas caso nelas fosse produzida diretamente comida para os humanos ou biocombustíveis, que poderiam substituir outras fontes de energia.

Metano

A FAO também destaca como ponto negativo o metano emitido pela digestão dos rebanhos. Este gás tem um potencial de aquecimento da Terra maior que o gás carbônico, mas sua duração na atmosfera é bem mais reduzida.

Mas o estudo divulgado pelo World Watch Institute aponta que o potencial de efeito estufa do metano é quase triplicado ao se utilizar uma linha do tempo de 20 anos --o que seria mais apropriado, por seus efeitos, segundo eles-- ao invés de 100 anos, como fez a FAO.

Goodland e Anhang apontam também que há emissões da pecuária alocadas em outros setores. Um exemplo é a criação de peixes e a pesca destinada à alimentação dos rebanhos.

Citam também o desperdício de partes não aproveitáveis dos animais, como ossos e gorduras incinerados; a cadeia paralela de subprodutos como couro e pele; e o cuidado sanitário maior no embalamento dos produtos da pecuária.

Mas eles vão ainda mais longe, ao consumidor final: consideram que o tempo de cozimento de alimentos derivados de animais é maior e isso leva ao uso de mais fluorocarbonetos e energia; além das emissões de carbono por tratamento médico de zoonoses e doenças degenerativas humanas devido ao consumo de derivados animais.

Soluções

Os autores indicam que neste contexto, a melhor estratégia na luta climática seria substituir produtos derivados de animais por análogos vegetais. Segundo seu estudo, apenas mudar o modo de produção ou tipo de carnes ou laticínios não teria uma redução significativa de seu impacto.

A bióloga Adriana Conceição, com especialização no impacto da pecuária bovina no Brasil, estima que medidas como alterar a dieta dos animais poderiam reduzir no máximo cerca de 10% de seu impacto.

Ela considera pioneira esta recomendação vinda de uma organização como a World Watch: "Em geral recomenda-se trocar certas fontes de energia por outras melhores", conta ela, "mas normalmente não se fala em substituição de alimentos."

Magda Lima já aposta na concentração das criações de animais em espaços reduzidos e em alteração de dietas, mas ainda estima que essas técnicas possam reduzir no máximo entre 15% e 20% de suas emissões.

O estudo divulgado pela World Watch também aponta a dificuldade que existe há muitos anos em se desenvolver tecnologias "verdes" para energia.

Assim, eles recomendam um esforço direcionado ao setor industrial para a oferta de "produtos análogos a carnes e laticínios" processados, como soja e diversos tipos de legumes e grãos. Quando processados, ficariam similares aos originados da pecuária.

Para viabilizar este novo movimento de mercado um significativo investimento em publicidade seria necessário, pois os produtos são novos para a maior parte dos consumidores. Recursos poderiam vir de fundos específicos para iniciativas de menor impacto de carbono na economia. E as embalagens poderiam ser diferenciadas mostrando o impacto de carbono dos alimentos.

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