O ICMBio constatou a retirada de madeira em algumas áreas percorridas e, ao mesmo tempo, criação de gado
Por MONTEZUMA CRUZ
BONITO e BODOQUENA (MS) – Depois de dois meses percorrendo matas, grutas, cavernas e rios para um trabalho de georreferenciamento, a equipe mista do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estimou na semana passada que registrará ainda em novembro os imóveis de pelo menos uma das três áreas adquiridas pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena. É uma parte da Fazenda Sol de Maio (1.065 ha), que já tinha certificação, restando apenas o desmembramento.
“A certificação é indispensável para o Parque obter a matrícula no Cartório de Registro de Imóveis”, assinala o chefe da unidade, Fernando Villela. Criado há 11 anos por decreto federal, em 21 de setembro de 2000, permanece no papel o parque de 77,2 mil hectares localizado no município de Bonito, a 265 quilômetros de Campo Grande (MS).
O georreferenciamento foi feito nas fazendas Boqueirão, em Bonito, Rancho Branco e Sol de Maio, ambas em Bodoquena. São as áreas mais conhecidas, embora existam as menos acessíveis e outras pouco visitadas. “São objetivos difíceis de se cumprir”, diz Villela, que conta com apenas dois servidores. “Buscamos avançar, valorizando o Conselho Consultivo do Parque, aplicando melhor o manejo e consolidando pesquisas já feitas para o uso público”, ele se compromete.
Segundo Villela, na Fazenda Boqueirão (5,5 mil ha) os trabalhos foram feitos ao longo do Rio Perdido e do Córrego Taquaral, nos limites oeste e leste e com acessos por terra nas partes norte e sul. Já na Fazenda Rancho Branco (1,1 mil ha) os acessos foram por terra, mesmo com alguns cursos d´água nos limites das áreas (rio Salobra e Córrego Salobrinha). A parte da Fazenda Sol de Maio, adquirida mais recentemente, era praticamente desconhecida.
O ICMBio constatou a retirada de madeira em algumas áreas percorridas e, ao mesmo tempo, criação de gado bovino. Outras, intocadas, em sua maioria guardam rochas “dente-de-cão”. “São rochas calcárias desgastadas pela água das chuvas que se transformam em extensas áreas de um chão de pregos, entremeadas por valetas e abismos”, explica o agrônomo. Apresentam uma variedade pequena de plantas pelo pouco substrato para seu desenvolvimento, mas pode-se encontrar bonitas orquídeas nos troncos das poucas árvores existentes.
Nas áreas visitadas, as únicas benfeitorias existentes são pastagens exóticas, o que na situação do Parque é algo indesejável. “Precisaremos requerer práticas de controle, recuperação, e de cercas que até podem ser aproveitadas para sinalizar e proteger alguns limites da unidade de conservação”, apela.
Para 2012 o chefe do Parque planeja reunir o conselho a cada três meses; combater incêndios florestais por meio de uma brigada que voltará atuar em junho; atender a demanda por pesquisas a partir de janeiro; e reconhecer as áreas adquiridas, mediante um trabalho de fiscalização.Ao mesmo tempo, Villela quer atender às esporádicas denúncias de queimadas na época seca, e do plantio de transgênicos.
Maciço, calcário, sítios e cavernas
O parque, cujo território se estende entre os municípios de Miranda e Porto Murtinho, localiza-se perto do Campo dos índios – a Reserva indígena Kadwéu. Para executar o geoprocessamento os analistas escolheram 39 alvos ao longo do seu entorno.
A serra caracteriza-se por um maciço calcário com formações cársticas e extensos sistemas de cavernas. Tem também sítios paleontológicos importantes.
O decreto nº 5.950, de 31 de outubro de 2006, estabeleceu os limites para o plantio de grãos geneticamente modificados em áreas que circundam unidades de conservação. O Conselho Nacional do Meio Ambiente definiu em 500m o limite para o plantio da soja no perímetro, na chamada zona de amortecimento, proibindo totalmente o plantio na área interna. Fiscais do Ibama constataram em fazendas no entorno 88,3 ha de plantio ilegal de soja, dos quais, 17,9 ha, dentro do parque.
Mesmo fora, ocupando terras não delimitadas como parque, a 10 km da área de amortecimento, conforme explica o Sindicato Rural de Bonito, a fazenda da família Zamboni foi multada.
Para secretário, burocracia emperra
“Nossa torcida, bem mais que expectativa, é que as questões fundiárias sejam solucionadas com menos burocracia sobre a cadeia dominial”, comenta o secretário municipal de meio ambiente de Bonito, Edmundo Dineli. “É isso o que emperra o parque”, adverte.
“Essa negociação deve ser igual a uma relação comercial, que varia conforme a qualidade de cada área”, ele explica. Dineli espera que a reserva legal constante no novo Código Florestal signifique “um bom caminho” para o parque funcionar. “O proprietário em falta com o verde poderá negociar diretamente com o vizinho que está lá dentro (do parque), obtendo boa indenização para ceder uma parte”, analisa.
Para o presidente do Sindicato Rural de Bonito, Marcelo Bertoni, a indenização “ainda é um entrave”: “Em ocasiões anteriores ela não correspondia ao preço real.” O ICMBio dispõe de apenas R$ 687 mil provenientes de compensação ambiental para adquirir terras. Alguns proprietários preferem não vender diretamente a área ao instituto, esperando conseguir melhores preços em vendas para desoneração de reserva legal.
Para o chefe do Parque, Fernando Villela, na venda à autarquia a avaliação é feita com base em normas técnicas. Na venda para desoneração de reserva legal a negociação é feita diretamente entre o proprietário da área do Parque ainda não adquirida pelo ICMBio e o proprietário que não tem área de reserva legal suficiente.
“Com essa área no Parque, após doação para o ICMBio, esse proprietário fica desonerado da reserva legal deficitária”, garante Villela. No entanto, ele reconhece que, mesmo havendo alguns processos de desoneração de reserva legal com área abrangidas pelo Parque, tanto os encaminhamentos como as negociações de novas áreas com essa finalidade estão praticamente parados à espera da aplicação do Código Florestal.
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