sábado, 25 de julho de 2009

Índios isolados do Acre

Texto: Edmilson Ferreira
Foto: Gleílson Miranda


As incursões realizadas em 2008 e 2009 ao alto rio Envira confirmaram ao sertanista José Carlos dos Reis Meirelles que há uma intensa movimentação de índios isolados na fronteira do Brasil, no estado do Acre, com o Peru. A população dos isolados, estimada por Meirelles, dobrou nos últimos anos por conta, principalmente, da demarcação de terras indígenas e da política de proteção a cargo da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira.

Localizada na foz do rio Xinane, no Município de Feijó, a base da Frente foi criada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1987 e hoje também conta com um posto de vigilância no alto rio Tarauacá.

Há cinco anos o próprio sertanista foi flechado no rosto, provavelmente por índios temerosos dos brancos que neles atiravam de espingarda durante caçadas na mata. Desde esse episódio, as políticas oficiais de proteção garantiram uma paz que permitiu que a população dos três grupos de isolados já identificados por Meirelles se elevasse para pelo menos quinhentos índios.

Um quarto povo, caçador e nômade, os Mashco-Piro, percorre amplas extensões da floresta em ambos os lados da fronteira e, no verão, costuma acampar em pequenos tapiris nas praias para coletar ovos de tracajá.

Apesar de hoje ser nitidamente favorável no Estado do Acre, a situação dos isolados pode mudar a qualquer momento devido, principalmente, à extração ilegal de madeiras nobres e ao tráfico de drogas no lado peruano.

A presença de madeireiros peruanos no Parque Nacional Alto Purus e em reservas territoriais criadas para a proteção dos isolados forçou, em 2007, a migração de um grupo de isolados para as cabeceiras do igarapé Xinane, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, do lado brasileiro.

A solução para esses graves problemas, segundo Meireles, é o estabelecimento de acordos e ações conjuntos entre os governos brasileiro e peruano visando a vigilância dos limites das terras indígenas, reservas territoriais e unidades de conservação localizadas na fronteira comum, o combate à atividade madeireira ilegal e o incentivo a práticas sustentáveis de uso e conservação da floresta pelas comunidades locais.

Em 15 horas de sobrevoo, Meireles percorreu recentemente a região de fronteira acompanhado do Assessor Especial dos Povos Indígenas do Governo do Acre, Francisco Pianko. "Pela estrutura das malocas e o tamanho dos roçados, esses povos estão decididos a morar ali por muito tempo", disse Pianko.

"Mas eles têm necessidades e vão às comunidades em busca de ferramentas", observa. O desafio hoje é suprir essa demanda sem qualquer processo de atração. "A orientação do Governo do Acre é protegê-los onde estão, apoiando o trabalho da Frente da Funai para a sua proteção do territórios dos isolados e para que as comunidades indígenas e de brancos do entorno compreendam e participem dessa política de proteção".

Três grupos em 10 malocas e 75 casas

Malocas indígenas mostram a existência dos grupos isolados (Foto: Gleilson Miranda/Secom) De acordo com a Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII), da Funai, existem hoje pelo menos 60 evidências de índios isolados, como são chamados aqueles índios que ainda procuram manter distância das ameaças representadas por diferentes atividades econômicas.

A contagem realizada há uma semana indica que a população de isolados não pára de crescer e há um processo de imigração do Peru para o Acre. Sem contar os Mashco-Piro, já são pelo menos quinhentas pessoas vivendo em dez malocas (conjunto de cabanas) estabelecidas em diferentes aldeias. Esta pode constituir uma das maiores populações de isolados na Amazônia brasileira e em todo o planeta.

Os principais agrupamentos de malocas estão localizados nas cabeceiras dos igarapés Xinane e Riozinho, afluentes do rio Envira, e na cabeceira do igarapé Paranazinho, afluente do rio Humaitá. As principais malocas estão distantes a mais de 100 quilômetros umas do outro, o que pode indicar de que se trata de povos diferentes.

Os isolados vivem hoje em três terras indígenas demarcadas pela Funai (TI Alto Tarauacá, TI Kampa e Isolados do Rio Envira, e TI Riozinho do Alto Envira), com extensão agregada de 627 mil hectares. Outras seis terras indígenas e o Parque Estadual Chandless são também usados pelos isolados para caçar, pescar e extrair vários produtos da floresta.

Os isolados do Acre vivem tempos de paz e prosperidade, com famílias cada vez mais numerosas. Extensas áreas de cultivo, com roçados que chegam a cinco hectares, são a confirmação de que, a partir das intervenções da Funai, em parceria com o governo estadual, os grupos se sentem seguros e estão implantando atividades de longo prazo. Eles cultivam macaxeira, milho, algodão, banana, mamão, cará, urucum e outros produtos.

O algodão, para a produção de redes e outros tecidos, também está presente. As derrubadas dos roçados são feitas na maioria dos casos com facões e machados roubados de casas de famílias Kaxinawá, Ashaninka e Madijá e de seringueiros e agricultores que vivem no entorno dessas terras indígenas.

Para evitar esses saques, e possíveis conflitos, a Funai optou, nos últimos cinco anos, por realizar dois sobrevoos, nos quais foram lançados machados e terçados para que os isolados cultivem seus roçados. Em outubro passado, o Governo do Acre e a Presidência da Funai assinaram Termo de Cooperação Técnica, que contempla uma agenda para o fortalecimento das ações Frente de Proteção Ambiental, com a instalação de novo posto de vigilância, expedições terrestres e sobrevôos de monitoramento e a realização de oficinas de sensibilização nas comunidades indígenas que compartilham terras com os isolados e que vivem no seu entorno.

Recursos financeiros do Plano de Valorização dos Povos Indígenas do Acre, lançado em abril passado pelo governador Binho Marques, e de emenda parlamentar da Senadora Marina Silva serão destinados a essas atividades até o ano que vem. "O Acre faz o dever de casa", repete o sertanista Meirelles.

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